Alejandro Cencerrado, físico, especialista em Big Data e analista do Instituto da Felicidade de Copenhaga, tomou, em janeiro de 2005, uma decisão que mudou a sua vida: “medir” a felicidade através de um diário.
A ideia era simples: todos os dias pontuava, no seu diário da felicidade, numa escala de 0 a 10, como esteve nas 24 horas que antecederam a monitorização. Se colocasse menos de 5 pontos significaria que o dia não tinha sido bom, se colocasse mais de 5 teria sido um bom dia.
Os resultados inspiraram-no a escrever o livro “Em defesa da infelicidade”, que apresenta como “o maior estudo científico jamais levado a cabo sobre a felicidade do dia a dia”.
Num artigo que intitulou “Ando há 20 anos a medir a minha felicidade num diário e isto é o que aprendi”, publicado no El País, Cencerrado explica que além de classificar os dias, apontava o que se tinha passado e com quem tinha estado. Assim sabe, por exemplo, como se sentiu quando usou um smartphone pela primeira vez ou quando foi declarado o estado de emergência aquando da pandemia de Covid-19.
Todo esse processo deu-lhe uma visão geral de como tinha sido, até então, a sua vida, permitindo-lhe retirar seis grandes ensinamentos, que transformou em lemas e que partilha no livro e no artigo publicado esta quarta-feira no diário espanhol.
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Os que amamos também nos fazem chorar
Alejandro percebeu, por exemplo, que os dias maus não eram necessariamente passados com pessoas de quem não gostava. Pelo contrário. As pessoas que ama também estavam presentes e eram, muitas das vezes, a razão pela qual se sentia mal.
“Eu revi o meu diário de todas as maneiras possíveis tentando descobrir o que me faz feliz ou infeliz, e uma e outra vez eu encontrei a mesma coisa: nos dias mais felizes havia as pessoas que eu mais amo, e nos infelizes, também”, analisa.
“O meus amigos e companheiros fizeram-me sentir muito especial, mas ninguém me fez sentir tão sozinho quanto eles. Os anos em que a palavra “amor” aparece mais no meu diário são os mesmos anos em que a raiva aparece mais. Parece que quanto maior intensidade de um relacionamento, mais fortes são os contrastes, algo que me levou a concluir que na vida é preciso escolher entre dois tipos de amor: o amor turbulento da adolescência, cheio de paixão e medo, ou o amor maduro e chato da vida adulta. Hoje eu escolho o segundo”, escreve no El País.
Provavelmente, aquela relação não foi assim tão má…
O lado bom de ter todas os dias da vida analisados é que, mais tarde, se pode ter uma ampla perspetiva sobre os sentimentos. “Ter um diário por tantos anos permitiu-me jogar um jogo estranho”, recorda o autor. O exercício passa por questionar as emoções: Esta viagem com amigos foi tão emocionante quanto eu me lembro? Eu tive relacionamento assim tão mau?
“Quando eu releio o meu diário naqueles dias, a resposta a essas perguntas é quase sempre negativa, nada é tão mau ou bom quanto eu me lembro. Do passado, só temos recordações dos momentos mais intensos e os últimos dias, e é por isso que, em geral, tendemos a pensar erroneamente que nossos antigos relacionamentos foram um desastre, quando a realidade é que só nos lembramos do fim, que é sempre a pior parte”, explica, deixando um conselho. “Se quiser deixar uma boa recordação nas pessoas, esforce-se, especialmente quando a despedida chegar.”
O diário como um filtro de amizades tóxicas
Ao analisar o seu diário da felicidade, Alejandro descobriu que sempre que estava com um certo casal de amigos, o seu diário enchia-se de inseguranças. “A razão, da qual eu não estava ciente na época, é que esse casal ia frequentemente ao ginásio e criticava o físico dos outros à minha frente, algo que, por um lado, me fez sentir digno da sua confiança, mas, por outro, tornava-me muito auto-consciente do meu próprio corpo”, nota.
Agora, o autor consegue perceber que foi algo recorrente. “Não há problema em as pessoas dizerem as coisas que fazemos mal e que podemos melhorar, mas quando o amor próprio se ressente ano após ano frente a certas pessoas, elas realmente querem o melhor para nós? Não me parece”, diz.
O diário não age por si mesmo
Entre 2018 e 2019, ao escrever no seu diário, Alejandro conseguiu analisar como a sua felicidade se foi dissipando no trabalho, por se sentir desvalorizado e sem apoio, mas, ainda assim, não conseguiu deixá-lo. “Todos os dias eu achava mais confortável ir ao escritório e tomar o café habitual, do que tomar decisões difíceis que eu não sabia se iriam ser boas”, relembra. “Até ao dia em que me despediram, eu não era feliz”.
O analista percebeu assim que este tipo de casos não só acontece com o trabalho, mas também com os nossos hábitos alimentares, rotinas e casais. Assim, chegou a uma grande conclusão: “Se quiser melhorar a sua vida, concentre-se em ter hábitos benéficos desde o início, porque uma vez que eles assentem, será muito difícil mudá-los”.
Paternidade não é 100% sinónimo de felicidade
Para quem já foi pai ou mãe sabe a felicidade que um pequeno ser pode trazer. Mas também sabe como o início da parentalidade é um período muito difícil. Alejandro relembra essa época. “Nos primeiros quatro anos em que fui pai, o meu diário foi preenchido com dias abaixo de 5. Antes de ter filhos, tinha 100 dias bons por ano e 80 dias maus. Desde que sou pai, é o contrário, 100 dias maus e 80 dias bons”, analisa.
“Parece que ser menos feliz implica que não se ama os filhos, mas isso não é verdade. Eu daria a minha vida pelos meus filhos, mas isso não invalida que minha vida quotidiana agora consista em poucas horas de sono, fazer coisas que eu não quero e ver minha esposa lentamente tornar-se apenas a minha colega de quarto”, explica.
Todas as emoções são importantes
Como nota final, Alejandro deixa a ideia de que não existe uma chave secreta para a felicidade. “Depois de duas décadas a medir a minha felicidade, não consegui eliminar o tédio, a tristeza nem a solidão da minha vida. O que quer que faça, os dias maus voltam”, conta, dando exemplos. “Terminei uma corrida a penar que finalmente ficaria feliz, mas a felicidade não veio. Casei-me, tive filhos, comprei uma casa e um carro… mas a paz completa e duradoura também não veio”.
“Depois de 20 anos de análise, o único conselho que posso dar é que, se algum guru da felicidade lhe diz como ser eternamente feliz, desconfie de tudo o que vem a seguir”, diz. “As emoções negativas têm uma função nas nossas vidas, como tudo o que acontece no nosso cérebro, e eu não consigo encontrar uma mensagem mais importante para dar nestes tempos de aparência: a infelicidade é uma parte natural e inevitável da vida. Vamos parar de enganar-nos”.